Uma das razões que me levaram a desejar ser um médico veterinário foi a convivência em uma fazenda leiteira. Aliás, quão magníficas são minhas lembranças de infância. A pecuária em si, para nós, nordestinos, foi a grande responsável pelo povoamento de nosso interior, nossos sertões. Povoamento este que proporcionou o surgimento de muitas das nossas grandes cidades. Deste modo, procuro destacar uma importância que vai além dos números. Por exemplo, o estado do Rio Grande do Norte, possui apenas a 7° maior produção do nordeste, equivalendo a 6% da produção regional. Talvez estes números não representem, a importância desta cultura para a cidade de Caicó, tampouco não representem a imagem simbólica de minha infância na pequena cidade de Bom Jesus, Agreste Potiguar.
Há, inegavelmente, uma importância além dos fatores meramente econômicos, é social, é cultural, está nas nossas raizes. Então, para deixar bem claro, não me venham afirmar que nordeste e semiárido são antagônicos ao leite, ou melhor dizendo, pecuária leiteira.
Talvez estejamos demorando a perceber a nossa importância e o nosso potencial. Sempre que nos referimos a estas três palavras de maneira conjunta, são acompanhadas de uma quarta, um tanto indigesta para todos nós. Quais palavras? Bovinos, leite, semiárido... Dificuldades. Talvez nos preocupemos muito em copiar modelos prontos. Sejam modelos genéticos, importando soluções (com promessas de alta produtividade, nem sempre reais), sejam modelos de sistemas produtivos. Importamos ideias e ideais, onde sempre o foco foi na quantidade, muitas vezes, quando alcançável, a um custo impagável.
Estamos em abril de 2019. Ano este, até o momento, com chuvas dentro da média (ou acima) na maior parte do trópico semiárido. Como diria meu avô, inverno "pastador", onde a alternância sol-chuva, permite-nos ver o desenvolvimento das lavouras e das pastagens. Mas, nesta mesma realidade, parando para conversar com produtores de leite, surge ela, a crise. Isso mesmo, excesso de leite no mercado (aumento da produção, devido ao aumento da oferta de forragem), queda do preço, incapacidade de absorção pelo mercado do leite derivado do aumento da produção. Tem produtor/ fornecedor, sem ter o que fazer com a produção. Momento que deveria ser de folga financeira, compensando talvez os meses de arrocho, tornam-se tão apertados quanto.
Quem culpar? (Vamos criar hipóteses)
O produtor!
Que não se planejou e permitiu (mais uma vez) que seu pico de produção se desse no momento de saturação do mercado. Que permanece na gangorra natural, dependendo, exclusivamente, das condições climáticas. Que não atua na conservação de forragens no período chuvoso, para garantir o fornecimento durante o período seco, elevando seus custos de produção durante a estação seca, tornando-a dependente dos insumos concentrados (milho, soja) praticamente todos importados, justamente quando seu valor de mercado está elevadíssimo (seca), e assim ele vai vivendo, "tomando toco" no inverno (pela queda do preço) e no verão (pelo aumento do custo de produção).
A industria!
Para mim parece cruel. Num momento em que a industria reduz o valor pago pelo litro de leite ao produtor(de R$ 1,35 para 1,10, segundo alguns relatos de produtores) ela não repassa ao consumidor final. Verifico o mesmo preço (se não, alta) do leite pasteurizado, UHT, queijo, iogurte, etc. O que faz a indústria? Condena seu fornecedor (que deveria ser um parceiro), se não a falência, a uma série de dificuldades. Quando falo em "indústria", incluo nossas queijeiras, embora tenham reduzido o preço do leite pago ao fornecedor, mantem o preço cobrado no Kg do queijo, enquanto o produto não estiver encalhando, assim continuarão procedendo, assim aumentando a margem de lucro. Aumentar seu portfólio nem se fala. Oferecer novos produtos (que poderiam ser a saída para o aumento da oferta de leite), nem pensar. O fato de trabalharmos com um produto perecível, é uma dificuldade para toda uma cadeia, mas justamente na dificuldade que deveríamos avançar. E infelizmente nossa industria parece preguiçosa, muitas vezes trabalhando de maneira antagônica ao seu próprio produto final, quando cria condições insustentáveis para manutenção da matéria prima.
O governo!
Melhor dizendo, os governos. Aí entram todos. Município, estado e governo federal. Começaremos falando da base. Assistências técnicas municipais, praticamente inexistem, boa parte das nossas administrações públicas municipais tratam com desdém as chamadas secretarias de agricultura. Estas, deixaram de ser técnicas e, quando muito, viraram sociais (nada contra, mas não deveria ser único foco), meramente ligadas a um pagamento de alguma bolsa estiagem/ bolsa seca (seguro safra, etc) ou mesmo quase que agenciadores de crédito rural para o BNB ou BB baterem suas metas. Há prefeituras que sequer possuem secretarias de agricultura. Enquanto nossos municípios tratarem a pasta com desdém ou com desvio de função, a chance de insucesso é enorme. Vamos aos estados e aos fatídicos programas de assistência técnica encabeçados pelas Emater (aonde ainda existe o órgão). Embora repletas de pessoas competentes, carecem de infraestrutura e orçamento, transformando técnicos em balconistas aos moldes das secretarias municipais. Aos poucos essa assistência tem sido entregue/ exercida pelo SENAR ou pelo SEBRAE e seus parceiros contratados. Há muita coisa boa sendo produzida por estes, mas é inegável, possuem foco em holofotes, e os resultados a longo prazo precisam ser melhor avaliados. Mas hoje, inegavelmente, ao meu ver, são os que mais fazem alguma coisa. Além das ações de pesquisa e extensão, os estados, juntamente com o governo federal são responsáveis por políticas de mercado ou econômicas que deveriam contribuir com a cadeia de produção do leite (que mantém emprego e renda no campo e no interior do nordeste). A regulação do preço do produto, em tempos de liberalismo, embora soem mal, são extremamente necessárias para uma cultura tão "apertada". Os famosos subsídios econômicos, hoje tão criticados ainda são muito necessários, seja para manutenção do preço dos insumos, seja para adequação do preço do produto final. Taxar a importação é uma destas medidas necessárias. Mas é apenas um remédio, não a cura. A nível de nordeste, não precisamos de leite dos EUA, Europa, Nova Zelândia ou Austrália, já sofremos com o leite de MG, SP, GO, etc. Não estou propondo barreiras interestaduais, apenas fazendo um contraponto ao amigo leitor destes estados, nós aqui no no nordeste, já sofremos com um leite produzido a um custo menor nas prateleiras do nosso mercado. Sugestões de medidas governamentais? O governo crie incentivos para investimentos nos laticínios, crie regras, exija contrapartidas. Não se faz isso com montadoras? (GM, Ford, etc). Que tal a CONAB? Intensifique a compra de leite no período chuvoso do nordeste. Há um consumo estatal (merenda escolar, hospitais, universidades, exército) que por si só garantiriam um consumo regular durante todo o ano, a CONAB poderia participar das licitações? (Se não, mudem a Lei 8.666). É um item essencial da nossa cesta básica. Item estratégico, por que não? Reestruture nossa rede de assistência técnica, tome as rédias, aplique recursos federais e exija cumprimento de metas dos estados. A pesquisa (através da Embrapa) sempre foi a menina dos olhos do governo, mas a difusão dessas, sempre foi capenga, muitas vezes restritas aos "amigos do Rei".
Todos podemos melhorar. Na realidade não há culpado, existem responsáveis e todos nós somos um pouco. Incluo agora a quem eu represento e não citei no texto acima, as Universidades, continuamos olhando mais para nossos umbigos e aos poucos saindo do pioneirismo para a vanguarda tecnológica. O fato é que neste momento, mais e mais pessoas abandonam suas propriedades, deixando de gerar emprego e renda no campo, pior, tornando sua sobrevivência ali inviável. No meio deste turbilhão, possuímos bons exemplos. Precisamos conhecê-los e propagá-los, não como modelos, apenas como bons exemplos que podem ou não ser adequados para cada realidade. Nosso nordeste não é um só. Somos vários nordestes em um. Não se produz leite em Quixadá-CE como se produziria em Sousa-PB, Garanhuns-PE, ou mesmo no Seridó Potiguar. Precisamos conhecer nossas convergências e reconhecer eventuais divergências.
Segundo dados do IBGE (2008), a região Nordeste concentra 91,4% dos 9,450 milhões de caprinos estimados em todo o território nacional, ou seja, 8,633 milhões de cabeças. Em relação aos ovinos, o Brasil possui 16,239 milhões de cabeças, destas, 57,18% ou 9,286 milhões concentradas na região nordestina. Pernambuco se destaca como o segundo maior produtor nacional de caprinos (1,595 milhões de cabeças) e o quinto maior de ovinos (1,256 milhões de cabeças), sendo a maior parte do seu rebanho concentrado na região semiárida sertaneja (IBGE, 2008). Figura 1. Região do Sertão Pernambucano e suas microrregiões, incluindo o Sertão Central. Fonte: IBGE, 2008. O município de Salgueiro se apresenta como importante área de escoamento de produção, além de ser geograficamente privilegiado, é possuidor de um mercado consumidor local em expansão, polarizando economicamente uma região com aproximadamente 171 mil habitantes, compreendida pelos municípios de Terra Nova, Parnamir
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